30/11/2020
Livro apresenta trajetórias de ex-escravos nos primeiros tempos de Minas Gerais. Em obra recém-lançada, autor analisa alforrias registradas em cartórios mineiros no início do século 18
BELO HORIZONTE, 26 de novembro de 2020 – Diversos eventos programados no começo de 2020 para marcar a passagem dos 300 anos de Minas Gerais como território administrativo autônomo, a serem completados em 2 de dezembro, acabaram cancelados ou foram adaptados para ambiente virtual. Ainda que a pandemia tenha ofuscado o potencial das comemorações, algumas iniciativas e publicações têm promovido o conhecimento sobre a história e a cultura mineiras.
No livro “Libertos, patronos e tabeliães: a escrita da escravidão e da liberdade em alforrias notariais”, Douglas Lima lança luz em um aspecto pouco conhecido do passado escravista de Minas Gerais: a possibilidade de pessoas escravizadas se libertarem. O trabalho é resultado de uma dissertação de mestrado defendida na UFMG. O autor leu e transcreveu centenas de cartas e escrituras de alforria que foram registradas em cartório no início do século 18 e atualmente estão resguardadas no Arquivo Histórico do Museu do Ouro (Casa Borba Gato), em Sabará.
A narrativa do livro coloca em primeiro plano as trajetórias de ex-escravas e ex-escravos, chamados de “libertos” ou “forros” no período colonial. Muitas daquelas pessoas foram arrancadas pelo tráfico de suas regiões de origem na África, outras nasceram no Brasil. Após viver partes de suas vidas sujeitas à escravidão, elas tiveram possibilidade de conquistar a liberdade.
Mas a liberdade daquele tempo era muito distinta do conceito atual. Nem sempre uma carta ou escritura de alforria significava libertação imediata. Alguns forros permaneciam muitos anos vinculados a seus antigos senhores, chamados de “patronos”. Mesmo que nos documentos registrados em cartório eles estivessem desembaraçados da escravidão, na prática, continuavam obrigados a prestar serviços e a viver junto aos patronos. Por outro lado, o livro também traz uma série de casos nos quais os libertos possuíram um nível de autonomia que contrasta com o imaginário contemporâneo mais comum acerca do período escravista.
Exemplo disso é o de Luzia Pinta, mulher angolana que em 1718 pagou por sua alforria. O caso é famoso entre historiadores que pesquisam religiosidade de matriz africana no Brasil colonial, já que Luzia Pinta foi processada, torturada e condenada pela Inquisição na década de 1740. Mas o livro apresenta novidades. Além da carta de alforria, o autor descobriu outros documentos que descortinam a vida de Luzia muitas décadas antes dela ser denunciada e presa. Mesmo que seu desfecho tenha sido trágico, aquela mulher protagonizou uma história complexa e desafiou a lógica da sociedade escravista mineira do século 18.
Muitas questões discutidas no livro ainda ressoam em nossa época. Conhecer aquela Minas Gerais de séculos atrás, com valores tão diferentes dos atuais, é uma oportunidade para refletir acerca dos preconceitos e desigualdades que herdamos. Diferentemente da realidade investigada em “Libertos, patronos e tabeliães”, nós desejamos uma sociedade baseada na liberdade e igualdade para todas as pessoas, sem distinções. O desafio é transformar este ideal em realidade e nos afastar de vez da velha estrutura social que por tanto tempo vem se perpetuando.
Sobre o autor
Douglas Lima é graduado e mestre em História pela UFMG, instituição onde atualmente também cursa o doutorado. Além da atuação como professor e pesquisador, possui experiência na área de patrimônio histórico.
Informações adicionais
Título: “Libertos, patronos e tabeliães: a escrita da escravidão e da liberdade em alforrias notariais” (229 páginas)
Autor: Douglas Lima
Editora: Caravana Grupo Editorial
Site: https://caravanagrupoeditorial.com.br/produto/libertos-patronos-e-tabeliaes/
E-mail: douglasjlima@gmail.com
Telefone/Whatsapp: (31) 99155-4575